Um dos maiores erros que o Locador ou o Locatório poderiam cometer em uma locação de imóvel (residencial ou comercial) é a ausência de vistoria, seja ela realizada no início do aluguel ou no término, com a entrega das chaves.
Para aqueles que estão familiarizados com o mercado imobiliário, é sabido que existem direitos e obrigações que acontecem não apenas posteriormente ao ato da assinatura do contrato, mas antes disso, como, por exemplo, a vistoria do imóvel.
O processo de vistoria nada mais é do que uma análise da infraestrutura do imóvel, em que é possível auferir a situação do bem a partir da data em que foi realizada. Assim, esta inspeção funciona como meio de prova capaz de atestar a situação do imóvel em um determinado e oportuno momento.
Em se tratando especificamente de locação de imóvel, o artigo 23, III, da Lei de Locação (ou Inquilinato), institui, como obrigação do Locatário, o ato de “restituir o imóvel, finda a locação, no estado em que o recebeu, salvo as deteriorações decorrentes do seu uso normal”.
O Locatário não possui a obrigação de devolver o imóvel totalmente isento de deteriorações, uma vez que, comumente, objetos se deterioram pelo uso, pelo decurso do tempo e pela ação de elementos naturais, situações que se qualificam como desgaste consequente do uso normal do imóvel. Entretanto, a existência de danos no imóvel, não decorrentes do uso normal do imóvel pelo Locatário, poderá ser objeto de discussão pelo Locador, desde que, para isso, residam provas capazes de demonstrar o alegado dano, ocasião em que a vistoria se apresenta como o melhor meio para essa finalidade.
Assim, o maior prejudicado de uma vistoria não realizada, no início da contratação, poderá ser o Locador (proprietário do imóvel). Isto porque, no momento da entrega do imóvel por parte do Locatário, o Locador não terá nenhuma prova contundente e capaz de comparar o estado do imóvel no início e ao final da locação. Quanto mais minuciosa e analítica a vistoria se der, menores serão as chances de serem levantadas questões controvérsias.
Por sua vez, caso o Locatário realize a entrega do imóvel, ato esse que chamamos de “entrega das chaves”, desacompanhado de uma vistoria, ele estará abrindo mão de possuir, para si, uma prova hábil a demonstrar que a devolução do bem ocorreu sem avaria.
Como forma de ilustrar o raciocínio e a importância da vistoria, cita-se algumas decisões dos Tribunais de Justiça do Brasil:
Apelação cível. Ação de cobrança. Contrato de locação residencial. Sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos para condenar a parte ré ao pagamento dos alugueis e encargos de locação vencidos até a data de 24/07/2018. Recurso da parte autora pretendendo a condenação do locatário ao ressarcimento dos custos com a reparação dos danos no imóvel. Art. 23, II da Lei n. 8.245/91. Juntada de fotografias, orçamentos e notas fiscais. Vistoria do imóvel que não foi realizada no início e no fim da locação. Não comprovado que os danos tivessem origem durante a vigência do contrato de locação. Ônus que incumbia ao locador. Art. 373, I do CPC. Ausência de provas que impede a condenação do locatário ao ressarcimento dos danos no imóvel. Sentença mantida. Negado provimento ao recurso (0020278-77.2020.8.19.0208 – APELAÇÃO. Des(a). CLÁUDIA TELLES DE MENEZES – Julgamento: 16/04/2024 – QUARTA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 5ª CÂMARA CÍVEL).
LOCAÇÃO DE BEM IMÓVEL – Pretensão de cobrança julgada parcialmente procedente – Danos ao imóvel locado apurados ao final da locação – Ausência de vistoria final assinada pela locatária capaz de autorizar conclusão segura sobre o real estado do bem locado – Ressarcimento pretendido a esse título, por isso, incabível – Sentença mantida – Apelação não provida. (TJSP; Apelação Cível 1044144-13.2022.8.26.0506; Relator (a): Sá Duarte; Órgão Julgador: 33ª Câmara de Direito Privado; Foro de Ribeirão Preto – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 17/05/2024; Data de Registro: 17/05/2024).
LOCAÇÃO COMERCIAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE ALUGUÉIS E ENCARGOS CONTRATUAIS. Sentença de procedência parcial do pedido. Apelação dos réus. Não comprovação dos danos alegados pela autora/locadora. Ausência de laudos de vistoria de entrada e de saída do imóvel. Necessidade de demonstração do nexo causal entre os danos verificados no imóvel e a conduta atribuída ao locatário de provocar danos no imóvel pelo tempo de ocupação do bem. Aplicabilidade do art. 373, I, do CPC. RECURSO PROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1000671-10.2022.8.26.0204; Relator (a): Carmen Lucia da Silva; Órgão Julgador: 33ª Câmara de Direito Privado; Foro de General Salgado – Vara Única; Data do Julgamento: 29/04/2024; Data de Registro: 29/04/2024).
Necessário se faz destacar a essencialidade de uma vistoria ser realizada conjuntamente, sob pena ser considerada como prova unilateral, o que, por conseguinte, faria com que seu caráter comprobatório restasse comprometido.
Por fim, havendo recusa de uma das partes (Locador e Locatório), o caso é de postulação de produção de prova pericial para avaliar o estado do imóvel e constatar se foi restituído ao locador com danos, dimensionando-se, eventualmente, o valor necessário aos reparos.